segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Lisboa

Lisboa, parte I
Perco-me nas ruas de Lisboa.
Não sinto o meu corpo, já não o habito. Com o frio cortante na minha face, caminho sem destino. Dou pequenas passadas, o meu coração bate desenfreadamente pois sabe que algo não está bem. Tenho lágrimas a escorrerem-me pela face mas não as limpo, as minhas mãos geladas procuram conforto nos meus bolsos.
Não sei para onde vou mas não paro, é noite e mal se distinguem as faces dos que por mim passam, alheios ao turbilhão de sentimentos que reside na minha alma. Acho que te procuro, nos edifícios que nunca visitaste, na calçada que nunca pisaste, onde estás tu? Não vês que preciso de ti? Estaco por um instante e penso no ridículo desta retórica. Já te foste embora, de um sitio onde nunca estiveste.
Continuo a andar, sinto agora os meus músculos doridos, a minha roupa ensopada pelas cobardes gotas de chuva que vagarosamente caem. Contorno uma esquina e vejo um eléctrico passar, provavelmente o último do dia. Perdi a noção do tempo, sinto que não importa. Estou a viver na minha mente.
E na minha mente tudo é diferente.

Lisboa, parte II
Caminho a largas passadas enquanto choro, isto não pode ser real.
Dez anos se passaram, dez anos duma vida que não foi vivida devido à tua ausência sufocante, mas tu regressaste, tal como eu sabia que o farias.
Agora quase corro, sinto o meu coração a implorar para que abrande, mas não consigo. Quanto tempo passou desde o teu telefonema? Trinta, quarenta minutos? Não sei, a mim parecem-me horas. Tinha acabado de chegar a casa do trabalho, cega pela rotina que tinha adoptado desde que saíste da minha vida. Pouso o meu casaco, dirijo-me à cozinha com o intuito de enganar a fome, o telefone toca. Atendo automaticamente, qual máquina em piloto automático. Bastou-me ouvir o meu nome em forma de interrogação e percebi que eras tu, ao que o meu corpo respondeu com um tremor descompassado e o meu coração estacou. Voltaste.
Encontro-me agora a correr pelo jardim dos Jerónimos, já avisto a Torre de Belém em toda a sua magnificência e corro ainda mais rápido, sem dar importância aos turistas que por ali passavam e me olhavam com uma expressão interrogativa na cara. Finalmente chego à zona ribeirinha onde o Tejo se move em paz, como que se o seu propósito tivesse finalmente chegado. Abrando o passo e olho em frente, na direcção da Torre, sentada à beira do rio encontra-se uma única pessoa. Aproximo-me e ela ouve os meus passos, virando-se para me encarar e levantando-se de seguida.
Tenho lágrimas a escorrerem-me pela face, até ao pescoço. Está escuro, mas reconheceria essas tuas expressões a quilómetros de distância, embora mudadas. Já não és a adolescente frágil que conheci no Verão de 2008, agora és uma mulher.
Ficamos imóveis durante o que me parecem horas, a contemplar-mo-nos mutuamente. Até que te aproximas e me pegas na mão. Passas os teus dedos suavemente pelos meus, tal como fizeste na noite antes de me despedir de Itália, do nosso quarto de hotel, de ti. Agora vejo lágrimas nos teus doces olhos. Cuidadosamente, encaixas o teu corpo no meu e ao meu ouvido murmuras num português perfeito, "Eu nunca te esqueci". Como uma última peça que faltava para terminar um puzzle, fecho os meus braços à tua volta e respondo, enquanto sinto aquele teu aroma que me atormentou infinitas noites, "Neanche io".

Lisboa, parte III
Volto a mim, e a minha mente volta-se a fundir com o meu corpo.
Chove agora torrencialmente, mas mantenho as pequenas passadas pela calçada de Lisboa. Dez anos passaram e o único sitio onde continuas presente é na minha mente, nunca voltaste.
Recolho-me então por baixo de um alpendre, onde limpo as minhas lágrimas. Ponho o meu capuz e dirijo-me para o conforto da minha casa, onde o silêncio é ensurdecedor.
Nunca voltaste, porque nunca cá estiveste.

2 comentários:

  1. Sentido, emotivo e apaixonante...

    é um crime teres estado tanto tempo sem escrever...


    Bj* Miri

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  2. Venero. Completamente. Obrigado.


    resiaddikted

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