quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Devaneios da febre que é amar-te sem te ter.

O aroma dos teus cabelos inunda os meus sentidos.
Abro os olhos, pela primeira vez neste dia, para enfrentar um cenário que de todo ainda me parece um sonho. Um raio de luz da manhã Primaveril lisboeta rasga o meu quarto, através daquele pedaço de cortina que fica sempre por correr, e vem terminar no meu rosto.
O teu corpo tem um pequeno espasmo que me faz acordar para a realidade que, de facto, alguém se encontra a meu lado.
Com dificuldade, movo o meu pescoço para além da almofada e os meus lábios encontram uma superfície quente, macia, com um perfume que penetra instantaneamente nas minhas narinas. A tua pele.
Só então reparo no facto de que os meus braços envolvem um corpo quente, por debaixo do lençol branco, testemunha daquela que viria a ser a noite decisiva do resto das nossas vidas. Num gesto lento e demorado, deslizo os meus lábios pela tua pele, acompanhados pelo resto do meu corpo que aos poucos forma uma espécie de abrigo sobre o teu. Preciso da certeza de que não estou a sonhar.
Num gesto rápido, ainda meio a dormir, deslizas a tua mão pelo meu pescoço, penetrando com os teus dedos o meu cabelo. Os teus olhos encontram agora os meus e o meu coração esquece-se de bater por segundos. Como que num flashback, todas as imagens da noite passada assomam a minha memória.

Mais um dia que chegou ao fim.
Num gesto reticente, levo à fechadura a chave daquele que é agora o meu lar. Um apartamento pequeno, mas grande o suficiente para caber todas as peças que definem erroneamente a minha vida naquele momento. Acolhedor, por vezes, não fosse a ausência de algo já há muito perdido.
Despindo o casaco, rendo-me à rotina que tomou posse de mim a partir do momento em que me resignei a ter de viver sem ti. Ligo, num gesto automático, a aparelhagem de onde a voz melancólica de Damien Rice sai, companheira das horas furtivas. Após um banho quente e demorado, dirijo-me à cozinha onde faço qualquer coisa que engane a fome, que por si já não é muita. Transporto comigo o prato até à sala de estar, onde, sentada no chão perto da varanda, sinto a brisa fresca típica daquela hora do dia, proveniente do Tejo. Suavemente, sou embalada num estado de melancolia (em muito ajudada pela música que insistentemente me transporta para memórias passadas). A cada garfada de comida, agora fria, cerro os olhos e recosto-me à parede, seguindo-se o ritual de todos os dias, na minha mente: "A vida continua, Daniela. Acompanha-a e não te deixes morrer lentamente". Inútil. Há muito que já morri interiormente.
Com o prato já vazio a meu lado, acordo uma hora e meia depois para me aperceber de que adormeci ali, naquele espaço onde o luar atravessa a espessa camada de nuvens e termina no meu rosto. Alguém bate à porta.
Ao levantar-me sinto os meus músculos doridos de repousarem na mesma posição por tanto tempo, atravesso a sala de estar e o minúsculo corredor, em direcção à porta da entrada. Numa fracção de segundos, senti aquela que será provavelmente a sensação de uma bala a atravessar-nos o coração, rasgando cada fibra da nossa camada protectora a que chamamos corpo para atingir aquele que é o mais vital dos orgãos para a nossa sobrevivência. Dois olhos escuros atravessavam agora os meus, duas malas repousavam no chão, lado a lado, dois lábios que se comprimiam um ao outro para disfarçar o tremor que deles se apoderava. Tu encontravas-te agora à minha frente, a poucos centímetros de distância, uma memória supostamente enterrada nos terrenos baldios do passado. Passado.
Num gesto de ombros que indicava "Também não sei muito bem o que faço aqui", pegaste nas tuas malas e autoconvidaste-te a entrar. Desvio o meu corpo de forma a deixar-te passar, ainda emudecida pelo cenário que se encontrava perante mim. Fecho a porta e preparo-me para o que se segue.
Dirijo-me à sala, onde previamente me encontrava, parando à entrada e olhando agora para a tua figura que se destaca no fundo negro da varanda de vista para o Tejo, elemento fundamental na minha decisão de comprar aquele que é agora o meu lar. "Sempre disseste que não viverias em casa alguma que não possuísse vista para o rio... E eu concordei contigo". A brisa que há pouco tocava a minha pele, tocava agora a tua e os teus cabelos moviam-se no seu embalar nostálgico. Jurei nesse momento amar-te com todas as minhas forças até ao dia em que a morte me levasse. Fui até ao teu encontro, passo a passo; viraste o teu corpo na minha direcção e o meu olhar deteve-se numa lágrima que percorria o teu rosto; percorreste metade da sala de estar até mim, encostaste a tua cabeça no meu peito e murmuraste "Ti amo, ti ho sempre amata". Também eu te amei, naquele momento e sempre. Anos se passaram e a única coisa que permaneceu foi o meu amor por ti, levando até a minha sanidade. Amizades que vieram e partiram, todos criticando a minha demência e loucura. E eu sempre esperei por ti.
Com as minhas mãos afastei o teu rosto do meu peito, cuja t-shirt agora se encontrava humedecida pelas tuas lágrimas. Beijei cada uma delas, depois os teus lábios. Num movimento que agora - finalmente - denunciava completude, guiei-te até ao quarto onde os nossos corpos, sedentos pelos anos gastos de silêncio que a pouco e pouco me destruíram, se amaram até à exaustão. Desejei-te boa noite e dei-te as boas vindas ao teu novo lar, beijando-te ao de leve os lábios para segundos depois eu própria cair num sono pacífico que pensei nunca mais vir a sentir.

"Bom dia...", desejaste-me com um sorriso que não escondia a ainda presente incredulidade por te encontrares ali, a meu lado, em Lisboa, Portugal, aquela que foi destinada tua casa desde o primeiro dia em que te conheci, meu amor.
"Buon giorno, piccola".


Ritorna a me.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Espera

O que faço eu aqui?
Esta pergunta ressoa insistentemente na minha cabeça enquanto desço a rua principal que termina na belíssima Praça de Prešeren. Multidões passam por mim, envoltas nas suas vidas sou invisível aos seus olhos. Não me faz qualquer diferença, pois nem aquelas que me vêem claramente, mesmo não estando na minha presença, me transmitem qualquer tipo de calor que me envolve como se de um abraço se tratasse. Odeio-me por não conseguir entregar-me de corpo e alma a tais pessoas; esforcei-me, sem sucesso.
Recosto-me junto à estátua de France Prešeren, poeta Romântico que viveu toda uma vida preso a um amor impossível e que, mesmo ao resignar-se juntando-se com aquela que viria a ser a mãe dos seus três filhos, no seu leito de morte confessou nunca ter esquecido a sua musa e tê-la amado em cada dia da sua vida.
Com um sentimento forte de compaixão por esta figura, fecho os olhos e deixo que os raios de sol penetrem a minha pele. O seu calor afaga-me o rosto e sinto-me viva. Pergunto-me o que farás neste preciso momento em que a minha mente está tão preenchida com a tua imagem ao ponto de eu temer pela minha sanidade. Várias imagens deslizam perante os meus olhos, como um filme de má qualidade que, com o passar do tempo se vai esbatendo a pouco e pouco: A tua expressão de incredulidade ao veres-me pela primeira vez em frente a ti, os sussurros murmurados no escuro do nosso quarto enquanto o mundo lá fora desaparecia, inexistente, inútil, sem sentido. O teu sorriso aquando da minha ausência. Os vossos sorrisos.
Sinto-me impotente, vazia, quero gritar o teu nome. Quero ir ao teu encontro e dizer-te que o Destino se enganou - sim, também ele erra como qualquer outro mortal - e que o teu lugar é ao meu lado. Nos meus braços. Na minha pele. Não encontro palavras que alberguem a força que este sentimento impõe em mim e sinto-me frustrada: As palavras são tudo o que me resta.
O que faço eu aqui?
Fugi de tudo o que me rodeava por não aguentar, por não suportar mais a agonia silenciosa que a tua ausência despertava em mim. Por todas as palavras e rostos de compaixão que a gente à minha volta me lançava, sem conseguirem entender a verdadeira dor que em mim se alastrava infecciosamente como um cancro que me faria viver em angústia, ou não viver de todo.
O que faço eu aqui? Fugi da tua memória, para agora me aperceber de que tal nunca se concretizará. Esteja onde estiver, faça o que fizer, tu resides em mim. Espero por ti como uma rocha que nem os ventos mais fortes conseguirão mover. Não o faço por Romantismo ou por teatralidade, mas sim porque o Destino necessita de alguém que emende o erro que cometeu.

sábado, 16 de outubro de 2010

Ilusão e Passado

O passado, ainda tão presente em mim, é afinal uma Ilusão.

A ilusão que me dava forças para continuar, transformou-se agora em Passado.

Pior do que a solidão, é não ter sonhos.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Vagueios

Deambulo pelas ruas de Ljubljana. Esta é agora a minha casa, ou deveria ser.
O piso está molhado, devido à chuva que, de vez em quando, se lembra de fazer uma entrada em grande; para onde quer que olhe, vejo caras que nada me são familiares, nada me dizem. Tentam proteger-se do ar gelado, típico desta cidade, nos seus inúmeros agasalhos. Na minha pele somente envergo uma blusa fina, o meu casaco de cabedal e uns jeans. Não me importam os olhares atónitos, de surpresa, ou de compaixão que me são lançados pelos nativos que aqui residem. A minha mente encontra-se noutro lugar e é tudo o que me importa. O frio? Não o sinto. A chuva? Que caia, eu permanecerei imune ao seu toque gelado na minha pele.
Não posso negar que me sinto acolhida nesta cidade como se de sua filha me tratasse: a cada esquina que contorno, os meus olhos são inundados pela beleza arquitectónica de si proveniente; a diversidade cultural que aqui encontro relembra-me os turistas apressados, a pedir direcções pelas ruas da Baixa, a apontar a estátua de Camões em sinal de admiração, ou até mesmo a encontrarem a calma e a paz por que há tanto ansiavam, à beira do Tejo.
No espaço de apenas uma semana conheci pessoas fantásticas, que se entreolham como uma família; sei possuir aqui um lugar especial. No entanto, muito difícilmente encontrarei aqui a casa que encontro em Lisboa.
Muito difícilmente encontrarei noutra pessoa a casa que encontro em ti.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Deixar tudo para trás.

Estendo-me no chão do meu quarto, o frio que de si emana cola-se à minha pele.
Penumbra.
Da janela, um único rasgo de luar corta a atmosfera sombria deste espaço. Inconsolável amante das horas fugidias, percorre o meu corpo à medida que as horas passam. Não me mexo.
Silêncio.
Consigo ouvir os meus fantasmas que pairam por entre estas quatro paredes, cada um mais persistente que o outro. Não me dão paz. Como eu quero paz.
Amargo.
É o gosto da minha boca. Fecho os olhos e, navegando nos confins da minha interminável memória, procuro o teu último beijo. Agarro-me a esse momento, revivo-o. Outra vez. E mais uma vez. Novamente. Não quero parar.
Sufocante.
Entranhado no ar, como uma nuvem disforme que teima em ficar, o cheiro do meu último cigarro. Porém já novamente a minha mente divagou e, junto ao sabor adocicado do teu beijo, se aliou o aroma da tua pele. Aquela mesma que beijei vezes sem conta. Quero adormecer em ti.
Abro os olhos. Encontras-te ao meu lado. Enfrento o teu olhar com o meu, algo não está bem. Como estás triste, mas porquê? Num sussurro abafado imploras-me ao ouvido: "Não vás". Não entendo, a que te referes tu? Tento abrir a boca para falar, mas não articulo uma única palavra. A tua cabeça, previamente encostada sobre o meu ombro, abandona-me agora. Numa tentativa inútil de te alcançar, o meu cérebro ordena à minha mão que te impeça de me deixar. Incompreensível. Petrificada.
Num esgar de impotência, observo a lágrima que morosamente desce pelo teu rosto. A tua mão afaga-me a face, os teus lábios tocam os meus. Se estou a chorar, não o sinto, pois já as tuas lágrimas contornam as minhas feições. Afastas-te do meu corpo, agora gélido pela ausência do teu contacto. Vejo-te partir, nunca afastando os teus olhos dos meus.
O sabor amargo volta ao meu paladar.
O cheiro nauseante do tabaco substitui o da tua pele.
Silêncio.
Penumbra.
Como que numa epifania demorada, lanço um olhar sobre um dos cantos do meu quarto. Duas malas feitas, preparadas para esquecer. "O meu reino por um cavalo".
Valerá a pena?

sábado, 28 de agosto de 2010

"Há palavras que nos beijam"

Sou um ser raro. Um ser cuja existência e propósito eu própria desconheço. Nisto, perguntam-se: "Mas não o somos todos?". Sim, embora o sejamos de formas distintas. E aquilo que nos distingue neste aspecto tão, à partida, comum, é a razão que nos levou a chegar a tal conclusão.
Mais uma noite, mais uma vaga de pensamentos que insistem em não me conceder paz de espírito. Preparo-me para terminar mais um dia, fechar os olhos e render-me à paz que o sono sempre nos concede, quando sou assomada por uma série de questões. Porque sinto eu esta urgência de passar para palavras aquilo que sinto? Porque procuro eu, exaustivamente, os adjectivos caracterizadores do meu estado de alma; os substantivos que, com estes últimos combinados, construam uma imagem mental da turbulência residente no meu espírito; os pontos interrogatórios que me façam cogitar de forma a embrenhar-me na minha própria solidão e os pontos finais que arduamente tentem concluir de vez um assunto? Na música, toda a minha atenção se concentra no que nela é dito, ignorando cada acorde instrumental que, sem sucesso, me tenta libertar de um estado de melancolia permanente.
Não me contentando com as palavras que do meu âmago fluem, quais sentimentos, procuro as de outrem, alimentado-me naquelas com que me identifico, tal e qual uma droga. Sinto-me dependente delas, retiro prazer do significado que cada uma desperta em mim. "É a solidão que inspira os poetas, cria os artistas e anima o génio", disse em tempos Henri Lacordaire. A este senhor, apenas uma coisa tenho a dizer: Obrigada. Agradeço por, mais uma vez, me aliviar deste estado sôfrego de dependência, tal como todos os dias fazem outros autores, pensadores, filósofos.
Voltei a mergulhar no meu subconsciente, na minha solidão. A minha mão treme enquanto desenho cada uma destas palavras; a caneta é a minha seringa; a tinta, a droga que me alivia a cada dose. Não sou um Pessoa, uma Florbela ou um Larkin, nem nunca na vida almejarei possuir o génio destes senhores. Porém, de uma coisa tenho a certeza: Neste momento sei ser superior a eles, pois não há droga que me alimente mais, do que a destas palavras.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Esperança

O calor do meu abraço, sente-o quem nos meus braços não pertence.
A tua memória, aos poucos se desvanece,
Devagar.
Como uma tempestade que a pouco e pouco se afasta.
E sinto-o na nuvem que lentamente se desloca acima de mim.
Na chuva que morosamente cai num dia de Primavera.
No roçagar da minha caneta no papel,
A cada frase,
A cada palavra,
A cada letra.
Já não falta muito.

terça-feira, 23 de março de 2010

A Dor

As horas passam e o dia transforma-se em noite, vivo.
Vivo pois finalmente aprendi a fazê-lo, aprendi a deixar o meu futuro nas mãos do destino e assim aguardo, silenciosamente, discretamente. Não sei o que me reservou ele, não sei se melhores dias virão ou se o melhor já passou, apenas o saberei se o aguardar.
Se, há uns tempos atrás, me tivessem dito que a dor por vezes poderia ser benéfica, ter-me-ia rido e ignorado essa pobre alma, provavelmente pensaria que quem diz tal coisa nunca na vida experienciou a verdadeira dor. Porém, assim o é. Existem várias formas de sentir dor, assim como várias fases em que a experimentamos.
A primeira dor que se apodera de nós é talvez a que mais dói. Somos apanhados desprevenidos, por dentro abre-se uma ferida que, ao ser tocada, lateja mais e mais, a nossa mente virgem nada pode contra tal adversário. Os dias passam e ela lá persiste, com uma força tal que se apodera de todo o nosso ser e passamos a viver em sua função.
O tempo passa. Perdão, o Tempo.
E assim surge uma segunda dor, que ao ver-se confrontada com a sabedoria e o poder da experiência e da maturidade reconhece que encontrou um adversário à altura. É essa mesma experiência que pega na dor, molda-a conforme dita o raciocínio, e nela vê uma razão para sorrir. A este processo se chama mentalização.
No entanto, dentro de nós, repousa sorrateira e imponentemente um grande aliado da dor: o coração. É esse maldito que, por mais que nos esforcemos a ignorar, acaba sempre por arranjar uma forma de controlar o raciocínio, a razão, a lógica, e nos domina afincadamente, sem que possamos fazer seja o que for para o combater. Assim que nasce um novo dia, o meu parece embalar-se num sono profundo, para preguiçosamente despertar mal o sol se esconde para dar lugar à noite.
Como dói, a noite.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Lisboa ao entardecer


(...) Imagino a felicidade no teu rosto e sorrio. De mãos dadas, ora afastadas ora mais próximas, passeamos à beira do Tejo e estou completa. Vejo os últimos raios de sol, avermelhados, a reflectirem-se nos teus olhos e não resisto a tomar-te nos braços e a beijar-te apaixonadamente, enquanto que, com todo o teu amor, me apertas contra o teu corpo e correspondes ao meu beijo, os olhos fechados. Passas, docemente, com uma mão pela minha cara e com o polegar demoras-te nos meus lábios, enquanto me olhas fixamente, pergunto-me o que verás. Pelo teu sorriso exausto e pela lágrima que agora escorre pelo teu rosto, sei automaticamente que sentes o mesmo que eu. No horizonte o sol despede-se para dar lugar à noite, rodeio-te com os meus braços, por trás, e assim ficamos a olhá-lo, o aroma dos teus cabelos a inundar-me os sentidos, o calor da tua pele contra os meus lábios. És a minha vida.


domingo, 21 de fevereiro de 2010

Pensamentos nocturnos

São 2 da manhã e mais uma vez o sono me abandonou. Numa mão tenho a caneta com que te escrevo, na outra o cigarro habitual que me faz companhia nas noites de solidão e que teima em arder, como que a recordar-me de que lá fora o tempo passa, a vida continua. No escuro do meu quarto ressoa o tom de angústia com que o Jeff Buckley canta "Hallelujah", sempre me intrigou este título. Uma expressão que lembra esperança, que indica que algo de divino aconteceu, e no entanto todo o conteúdo desta composição indica o contrário, aliando-se à melancolia transmitida pela guitarra. O que farás tu neste momento? Paro por um segundo para pensar no quão ridículo soa quando me dirijo a ti, como que se esperasse resposta. Sim, é mais um texto sobre ti, sobre a falta que me fazes.
De onde me encontro vejo a minha bandeira, solitária na parede do meu quarto, a recordar-me do quão sozinha estou, a milhares de quilómetros de distância de ti. Em tempos a tua bandeira fazia-lhe companhia, e ali permaneceram elas lado a lado, e o teu amor pertencia-me.
Recordo-te esta noite, e em todas as outras. Pergunto-me se sentirás a minha falta, se amaldiçoas o dia em que me viste partir, magoada, sabendo que jamais voltaria. Sim, ainda sinto no meu peito a humilhação e a frustração pelas quais me fizeste passar. Não, acho que não serei capaz de te perdoar. Odeio que permaneças dentro de mim dia e noite, odeio que não seja capaz de te apagar da minha mente. Odeio-te por todo o amor que me deste, para mais tarde o vires a retirar. Odeio este estado de melancolia permanente em que me embalei desde o dia em que te foste embora, contigo uma parte de mim morreu.
E no entanto, vivo por ti.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Carta a I. (a última)

Queria que soubesses que estou bem. Tal como o Noah em tempos disse a Allie, "Já não tenho ressentimentos, pois sei que o que tivemos foi real". Quis que esta carta fosse especial, pois nunca a lerás. Nunca te será entregue e nunca terás a possibilidade de a guardar, com desprezo, no fundo da tua gaveta onde se misturaria com todas as outras que te enviei, já esquecidas.
Tomei a derradeira decisão de te eliminar do meu pensamento. Por vezes é doloroso e dou por mim perdida nas nossas memórias e na semana que mudou a minha vida para sempre, mas finalmente encontrei o meu caminho. E o meu caminho, ao contrário do que diz a sabedoria popular, não vai dar a Roma.
Sei que seguiste com a tua vida, sei que estás bem. Também sei que chegará o dia em que não te lembrarás mais do meu nome, de onde venho, ou das promessas que fizemos. Eu, pelo contrário, sei nunca vir a atingir esse dia, pois a tua memória permanecerá para sempre guardada em mim.
De noite, quando o silêncio se instala no meu quarto e da janela observo as luzes da cidade à distância, não penso em ti. Quando me sento à beira do Tejo e acendo um cigarro pensativo, não sinto a tua falta. Se subo e desço as colinas de Lisboa, à procura de uma resposta às minhas perguntas, o teu nome não ecoa na minha mente. Deixei de viver em tua função, o meu coração finalmente pode descansar. Se por acaso o meu nome surgir por entre palavras, não te iludas, já não te pertenço.
Lembras-te da quantidade de vezes em que amaldiçoámos a distância que nos separava? É agora essa mesma distância que me conforta, que me dá força e vontade para seguir em frente. Como diz a Norah Jones, "Se nunca voltares, permanecerás uma memória distante"... Sei que nunca voltarás, a distância encarregar-se-á do resto. O tempo apagará a dor e limpará as lágrimas derramadas, transformando tudo isso em algo que nos fortificou perante a vida. Uma lição da qual retirámos um pequeno pedaço de esperança, agora já dissipada.
Sinto que ficou tanto por dizer, mas já não importa. Esqueci os teus beijos, esqueci o teu sorriso perante a minha presença, os teus olhos já não me assombram. Guardarei com carinho o que me deste, mas jamais lhes pegarei.
Já não te amo, recordo-te.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Nostalgia vs Melancolia

Penso que estou em casa, quando na verdade mal comecei a minha viagem. Estas ruas enchem-me de um desespero que tento passar para o papel. Chamam-lhe nostalgia, para mim não passa de melancolia. Sinto-me pequena ao pé destas fachadas imponentes, a música que paira no ar mistura-se com os meus pensamentos. Quanto tempo mais ficarei aqui? Numa cidade que me chama sua filha mas não me dá o amor por que anseio. Penso no que estará a faltar, medito. Sei a resposta mas engano-me numa teia de mentiras e negações que sei serem necessárias. Atrevo-me a dizer estas palavras...? Faltas tu. Do sitio onde me encontro vejo os raios de luz a sobreporem-se às fachadas altivas dos edifícios, já não sei quem sou sem as suas sombras que me acolhem. Essa luz penetra na sombra que me abraça, como uma promessa de que dias melhores virão. Levanto-me com uma mão a proteger os olhos e recolho-me na sombra mais próxima.

Perdida em Roma

Depois de um voo de apenas 30 minutos, tinha finalmente acordado para a realidade: Já não me encontrava a teu lado. Na minha mente tudo parecia um remoinho de ideias, no meu peito, de emoções. Vi-me sozinha naquela noite, numa cidade que me era tudo e não me era nada, que fora palco dos meus sonhos e desejos nunca concretizados. As horas passavam, os aviões lá fora partiam e chegavam e eu sentia-me fatigada, prestes a quebrar. Quando finalmente tomei conhecimento do que deveria fazer a partir dali, respirei de alivio, mas não fora por isso que me senti menos nervosa. Vi-me num autocarro escuro, que andava por entre estradas e mais estradas, o aeroporto cada vez mais longe, o centro da cidade a aproximar-se. Ao meu lado encontravam-se dois indivíduos, quem sabe na mesma situação que eu. O motorista tentava acalmar-me, apesar da barreira linguística que nos separava. Foi apenas quando abri a porta do quarto que me iria abrigar naquela noite que o meu coração decidiu também ele descansar. Lembro-me de me ter sentado naquela cama enorme, aquele silêncio ensurdecedor de hotel a zumbir nos meus ouvidos, e de me ter deixado deitar, fatigada. Lembro-me de ter pensado que, não havia 4 horas, estava ao teu lado. A pegar-te na mão. A beijar os teus lábios e as tuas lágrimas. Chorei, silenciosamente. Estendi o braço de forma a chegar ao meu maço de tabaco, aquele que tu me tinhas comprado, que tu tinhas escolhido para mim no dia anterior, quando ainda me pertencias realisticamente. Acendi um e vi o fumo a rodopiar em direcção ao nada, tal e qual os meus pensamentos. Sabia que o dia seguinte iria ser igualmente fatigante, portanto deitei-me, e foi a pensar em ti, a ouvir as nossas músicas, que adormeci. Acordei mal o sol nasceu e saí para o dia nublado. Estava frio e as minhas mãos geladas. Mal pareciam aquelas mesmas mãos que te tinham amado. De novo o mesmo autocarro, a mesma simpatia do motorista, o mesmo aeroporto. Uma devolução de bilhete, um avião que levantou voo, um choro escondido. Olho pela janela, e reconheço a imensa massa de metal vermelho, que se estende ao longo do Tejo. Lisboa. Portugal.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Lisboa

Lisboa, parte I
Perco-me nas ruas de Lisboa.
Não sinto o meu corpo, já não o habito. Com o frio cortante na minha face, caminho sem destino. Dou pequenas passadas, o meu coração bate desenfreadamente pois sabe que algo não está bem. Tenho lágrimas a escorrerem-me pela face mas não as limpo, as minhas mãos geladas procuram conforto nos meus bolsos.
Não sei para onde vou mas não paro, é noite e mal se distinguem as faces dos que por mim passam, alheios ao turbilhão de sentimentos que reside na minha alma. Acho que te procuro, nos edifícios que nunca visitaste, na calçada que nunca pisaste, onde estás tu? Não vês que preciso de ti? Estaco por um instante e penso no ridículo desta retórica. Já te foste embora, de um sitio onde nunca estiveste.
Continuo a andar, sinto agora os meus músculos doridos, a minha roupa ensopada pelas cobardes gotas de chuva que vagarosamente caem. Contorno uma esquina e vejo um eléctrico passar, provavelmente o último do dia. Perdi a noção do tempo, sinto que não importa. Estou a viver na minha mente.
E na minha mente tudo é diferente.

Lisboa, parte II
Caminho a largas passadas enquanto choro, isto não pode ser real.
Dez anos se passaram, dez anos duma vida que não foi vivida devido à tua ausência sufocante, mas tu regressaste, tal como eu sabia que o farias.
Agora quase corro, sinto o meu coração a implorar para que abrande, mas não consigo. Quanto tempo passou desde o teu telefonema? Trinta, quarenta minutos? Não sei, a mim parecem-me horas. Tinha acabado de chegar a casa do trabalho, cega pela rotina que tinha adoptado desde que saíste da minha vida. Pouso o meu casaco, dirijo-me à cozinha com o intuito de enganar a fome, o telefone toca. Atendo automaticamente, qual máquina em piloto automático. Bastou-me ouvir o meu nome em forma de interrogação e percebi que eras tu, ao que o meu corpo respondeu com um tremor descompassado e o meu coração estacou. Voltaste.
Encontro-me agora a correr pelo jardim dos Jerónimos, já avisto a Torre de Belém em toda a sua magnificência e corro ainda mais rápido, sem dar importância aos turistas que por ali passavam e me olhavam com uma expressão interrogativa na cara. Finalmente chego à zona ribeirinha onde o Tejo se move em paz, como que se o seu propósito tivesse finalmente chegado. Abrando o passo e olho em frente, na direcção da Torre, sentada à beira do rio encontra-se uma única pessoa. Aproximo-me e ela ouve os meus passos, virando-se para me encarar e levantando-se de seguida.
Tenho lágrimas a escorrerem-me pela face, até ao pescoço. Está escuro, mas reconheceria essas tuas expressões a quilómetros de distância, embora mudadas. Já não és a adolescente frágil que conheci no Verão de 2008, agora és uma mulher.
Ficamos imóveis durante o que me parecem horas, a contemplar-mo-nos mutuamente. Até que te aproximas e me pegas na mão. Passas os teus dedos suavemente pelos meus, tal como fizeste na noite antes de me despedir de Itália, do nosso quarto de hotel, de ti. Agora vejo lágrimas nos teus doces olhos. Cuidadosamente, encaixas o teu corpo no meu e ao meu ouvido murmuras num português perfeito, "Eu nunca te esqueci". Como uma última peça que faltava para terminar um puzzle, fecho os meus braços à tua volta e respondo, enquanto sinto aquele teu aroma que me atormentou infinitas noites, "Neanche io".

Lisboa, parte III
Volto a mim, e a minha mente volta-se a fundir com o meu corpo.
Chove agora torrencialmente, mas mantenho as pequenas passadas pela calçada de Lisboa. Dez anos passaram e o único sitio onde continuas presente é na minha mente, nunca voltaste.
Recolho-me então por baixo de um alpendre, onde limpo as minhas lágrimas. Ponho o meu capuz e dirijo-me para o conforto da minha casa, onde o silêncio é ensurdecedor.
Nunca voltaste, porque nunca cá estiveste.