quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Devaneios da febre que é amar-te sem te ter.

O aroma dos teus cabelos inunda os meus sentidos.
Abro os olhos, pela primeira vez neste dia, para enfrentar um cenário que de todo ainda me parece um sonho. Um raio de luz da manhã Primaveril lisboeta rasga o meu quarto, através daquele pedaço de cortina que fica sempre por correr, e vem terminar no meu rosto.
O teu corpo tem um pequeno espasmo que me faz acordar para a realidade que, de facto, alguém se encontra a meu lado.
Com dificuldade, movo o meu pescoço para além da almofada e os meus lábios encontram uma superfície quente, macia, com um perfume que penetra instantaneamente nas minhas narinas. A tua pele.
Só então reparo no facto de que os meus braços envolvem um corpo quente, por debaixo do lençol branco, testemunha daquela que viria a ser a noite decisiva do resto das nossas vidas. Num gesto lento e demorado, deslizo os meus lábios pela tua pele, acompanhados pelo resto do meu corpo que aos poucos forma uma espécie de abrigo sobre o teu. Preciso da certeza de que não estou a sonhar.
Num gesto rápido, ainda meio a dormir, deslizas a tua mão pelo meu pescoço, penetrando com os teus dedos o meu cabelo. Os teus olhos encontram agora os meus e o meu coração esquece-se de bater por segundos. Como que num flashback, todas as imagens da noite passada assomam a minha memória.

Mais um dia que chegou ao fim.
Num gesto reticente, levo à fechadura a chave daquele que é agora o meu lar. Um apartamento pequeno, mas grande o suficiente para caber todas as peças que definem erroneamente a minha vida naquele momento. Acolhedor, por vezes, não fosse a ausência de algo já há muito perdido.
Despindo o casaco, rendo-me à rotina que tomou posse de mim a partir do momento em que me resignei a ter de viver sem ti. Ligo, num gesto automático, a aparelhagem de onde a voz melancólica de Damien Rice sai, companheira das horas furtivas. Após um banho quente e demorado, dirijo-me à cozinha onde faço qualquer coisa que engane a fome, que por si já não é muita. Transporto comigo o prato até à sala de estar, onde, sentada no chão perto da varanda, sinto a brisa fresca típica daquela hora do dia, proveniente do Tejo. Suavemente, sou embalada num estado de melancolia (em muito ajudada pela música que insistentemente me transporta para memórias passadas). A cada garfada de comida, agora fria, cerro os olhos e recosto-me à parede, seguindo-se o ritual de todos os dias, na minha mente: "A vida continua, Daniela. Acompanha-a e não te deixes morrer lentamente". Inútil. Há muito que já morri interiormente.
Com o prato já vazio a meu lado, acordo uma hora e meia depois para me aperceber de que adormeci ali, naquele espaço onde o luar atravessa a espessa camada de nuvens e termina no meu rosto. Alguém bate à porta.
Ao levantar-me sinto os meus músculos doridos de repousarem na mesma posição por tanto tempo, atravesso a sala de estar e o minúsculo corredor, em direcção à porta da entrada. Numa fracção de segundos, senti aquela que será provavelmente a sensação de uma bala a atravessar-nos o coração, rasgando cada fibra da nossa camada protectora a que chamamos corpo para atingir aquele que é o mais vital dos orgãos para a nossa sobrevivência. Dois olhos escuros atravessavam agora os meus, duas malas repousavam no chão, lado a lado, dois lábios que se comprimiam um ao outro para disfarçar o tremor que deles se apoderava. Tu encontravas-te agora à minha frente, a poucos centímetros de distância, uma memória supostamente enterrada nos terrenos baldios do passado. Passado.
Num gesto de ombros que indicava "Também não sei muito bem o que faço aqui", pegaste nas tuas malas e autoconvidaste-te a entrar. Desvio o meu corpo de forma a deixar-te passar, ainda emudecida pelo cenário que se encontrava perante mim. Fecho a porta e preparo-me para o que se segue.
Dirijo-me à sala, onde previamente me encontrava, parando à entrada e olhando agora para a tua figura que se destaca no fundo negro da varanda de vista para o Tejo, elemento fundamental na minha decisão de comprar aquele que é agora o meu lar. "Sempre disseste que não viverias em casa alguma que não possuísse vista para o rio... E eu concordei contigo". A brisa que há pouco tocava a minha pele, tocava agora a tua e os teus cabelos moviam-se no seu embalar nostálgico. Jurei nesse momento amar-te com todas as minhas forças até ao dia em que a morte me levasse. Fui até ao teu encontro, passo a passo; viraste o teu corpo na minha direcção e o meu olhar deteve-se numa lágrima que percorria o teu rosto; percorreste metade da sala de estar até mim, encostaste a tua cabeça no meu peito e murmuraste "Ti amo, ti ho sempre amata". Também eu te amei, naquele momento e sempre. Anos se passaram e a única coisa que permaneceu foi o meu amor por ti, levando até a minha sanidade. Amizades que vieram e partiram, todos criticando a minha demência e loucura. E eu sempre esperei por ti.
Com as minhas mãos afastei o teu rosto do meu peito, cuja t-shirt agora se encontrava humedecida pelas tuas lágrimas. Beijei cada uma delas, depois os teus lábios. Num movimento que agora - finalmente - denunciava completude, guiei-te até ao quarto onde os nossos corpos, sedentos pelos anos gastos de silêncio que a pouco e pouco me destruíram, se amaram até à exaustão. Desejei-te boa noite e dei-te as boas vindas ao teu novo lar, beijando-te ao de leve os lábios para segundos depois eu própria cair num sono pacífico que pensei nunca mais vir a sentir.

"Bom dia...", desejaste-me com um sorriso que não escondia a ainda presente incredulidade por te encontrares ali, a meu lado, em Lisboa, Portugal, aquela que foi destinada tua casa desde o primeiro dia em que te conheci, meu amor.
"Buon giorno, piccola".


Ritorna a me.

2 comentários:

  1. O teu melhor texto.. emocionante... ;´)

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  2. Profundo e inigualável. Silencioso e extravazado em si. Enquadras-te na tua escrita e não lhe foges. O que sentes é-te inato e sentes-te indiscutível para contigo própria. Gostei imenso do texto e gostei de ver como te entregas ao que sentes, pensas e escreves.
    Felicitações.
    Volta e vamos marcar um café na Lisboa que tanto amas. :)

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