quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Como um dia dei por mim no cemitério do tempo perdido - um conto de esperança

Procuro-te no cemitério do tempo perdido.

Com relutância, caminho por entre as lápides de tempos passados, de pretéritos imperfeitos que já foram futuros próximos, de presentes condicionais que teimam em aparecer. A cada passada que dou, fracções de segundos transformadas em imagens do que um dia me pertenceu assomam à minha mente, como se passassem em frente aos meus olhos, imperturbáveis e teimosas.

És doida, vais-te perder!

Cada milímetro do teu sorriso apresentou-se agora, nítido como água, na minha mente e estremeci. Abanando a cabeça de olhos fechados perante a possibilidade de este cemitério se encontrar assombrado, estaco e assim fico durante o que me parece uma eternidade. Imóvel, mas agora mais calma, respiro fundo e retomo a minha passada lenta. Uma brisa leve, mas fria, de Outono entranha-se no meu cabelo, desprendendo o seu aroma que me traz memórias de um tempo em que se confundia com o teu. O único som que se ouve provém do estalar das folhas castanhas que cobrem o chão, por debaixo dos meus pés.

Fica comigo.

Um arrepio percorreu-me a espinha, fazendo-me estacar novamente. Comecei a temer aquele lugar, porque razão o visitei sequer? Não tão certa do que me tinha levado até ali, desta vez, comecei à procura de uma possível saída. Virei a cabeça em todas as direcções, procurando um indício de haver, de facto, um meio por onde pudesse sair. Nada. Para onde quer que olhasse, vislumbrava um extenso manto castanho-amarelado de folhas caídas no solo, sem vida, imóveis até perante a brisa que movia os meus cabelos, que aparentemente levavam a...sítio algum. Comecei uma caminhada desta vez mais apressada por entre as lápides cobertas de musgo, ignorando o sonoro «crack» produzido pelas minhas pisadas.

Sabes que estou exausta...

A leve brisa tinha-se agora transformado num forte vento que rasgava a minha face, fazendo-me lacrimejar; ou secalhar chorava, não sei bem. Sei que, ainda de mãos nos bolsos, comecei a correr sem rumo aparente, mas nem isso levantava as folhas teimosas que pareciam pregadas ao chão. «Onde estou eu?», perguntei-me, começando a sentir uma pontada no peito; no entanto, não abrandei o passo até que ao longe avistei um vulto. Devagar, aproximei-me dele e à medida que o fazia fui distinguindo os seus contornos. Uma cara familiar, lá ao longe, sorria-me. Interrogando-me de onde conhecia tão cativante sorriso, caminhei na sua direcção; porém, algo não estava certo: a cada centímetro mais perto de si que me encontrava, reparava, atónita, num pormenor diferente. Comecei por me dar conta da espessa camada castanha que cobria a sua cabeça; aquilo que eu pensava como sendo o seu cabelo não passava de um aglomerado de folhas castanhas, tal e qual as que se encontravam por debaixo dos meus pés e igualmente imóveis. De seguida, notei na maneira peculiar como os seus olhos brilhavam: no seu lugar, encontravam-se duas estrelas de uma cor nunca antes vista, impossível de denominar. Olhavam-me fixamente e senti um arrepio ainda maior que aquele inicial, que me percorreu não só a espinha mas cada recanto do meu corpo. Continuava a sorrir e foi então que reparei na triste doçura com que o fazia, como se querendo perfurar por entre o meu ser, atingindo a minha alma. Sorri-lhe de volta; as horas seguintes, ou quem sabe, segundos, ainda hoje permanecem uma incógnita. A minha vista era turva e os meus pés abandonaram aquele solo, deixando, finalmente, uma nuvem de folhas mortas à sua volta.

Acordei naquele que me pareceu um jardim deserto, o que não conseguia entender dado o facto de que era muito bonito. A minha roupa encontrava-se coberta de folhagem e não a tentei limpar, dando mais atenção ao pormenor de que algo tinha mudado em mim. Uma estranha leveza, assim se podia caracterizar o que sentia agora. Antes de sair do lugar onde me encontrava, explorei os arredores, toda a extensão que a minha vista alcançava. Ao longe, mas perto o suficiente para que eu a distinguisse, avistei uma placa de madeira fresca, presa a um muro de mármore reluzente que me atraiu sem demoras; aproximei-me: um banco de jardim, daqueles a que estamos habituados a ver nos filmes e composto por aquela que parecia ser a mesma madeira de que era feita a placa, jazia mesmo por debaixo desta última. Sem conseguir explicar a repentina atracção que me sugava até si, ali me sentei, de olhos fechados, inspirando fundo. As folhas ainda amareladas que em si repousavam levantaram-se num tufo e sem barulho; na minha mente perpetuava uma paz que pensei nunca vir a alcançar. O que se encontrava escrito na misteriosa placa...um dia, pacientemente, o saberei.

Sem comentários:

Enviar um comentário